João 1:1,14
Pr.Aragão
Sentado
junto à grande escrivaninha, o Autor abre o grande livro. Não há palavras.
Não há palavras porque não existe nenhuma palavra. Não existe nenhuma
palavra porque nenhuma palavra é necessária. Não há ouvidos para
ouvi-las. Não há olhos para lê-las. O Autor está só.
E então
Ele toma a grande pena e começa a escrever. Assim como um pintor junta suas
cores, e um escultor, suas ferramentas, o Autor reúne suas palavras.
São três. Três
únicas palavras. Dessas três fluirão milhões de pensamentos. Mas essas três
palavras sustentarão toda a história.
Ele toma
a pena e traça a primeira. T-e-m-p-o.
O tempo
não existiu até que Ele escrevesse. Ele, em si, é atemporal, mas sua história
ficaria fechada no tempo. A história teria o primeiro nascer do sol, o primeiro
movimento da areia. Um começo… e um fim. Um capítulo final. Ele o conhece antes
de escrevê-lo.
Tempo. Um passo
na trilha da eternidade.
Devagar,
com ternura, o Autor escreve a segunda palavra. Um nome. A-d-â-o.
Enquanto
escreve, vê o primeiro Adão. Depois vê todos os outros. Em milhares de eras, em
milhares de terras, o Autor os vê. Cada Adão. Cada filho. Instantaneamente
amados. Permanentemente amados. Para cada um, designa um tempo. Para cada um,
indica um lugar. Nenhum acidente. Nenhuma coincidência. Apenas desígnio.
O Autor
faz uma promessa a esses não-nascidos: A minha imagem, fá-los-ei. Vocês serão
como eu. Vão rir. Vão criar. Não morrerão, nunca. E ainda escreverão.
Cada vida
é um livro, não para ser lido, mas, antes, uma história que deve ser escrita. O
Autor inicia a história de cada vida, mas cada vida escreverá seu final.
Que
liberdade perigosa. Seria muito mais seguro terminar a história de cada Adão.
Registrar cada escolha. Seria mais simples. Seria mais seguro. Mas não seria
amor. Amor só é amor quando há opção.
Assim, o
Autor decide dar uma pena para cada filho. “Escrevam com cuidado”, sussurra.
Carinhosamente,
deliberadamente, escreve a terceira palavra, sentindo já a dor. E-m-a-n-u-e-l.
A maior mente do Universo imaginou
o tempo. O mais capaz dos juizes garantiu uma escolha a Adão. Mas foi o amor
quem concedeu o Emanuel, o Deus conosco.
O Autor
entraria em sua própria história.
A Palavra
tornar-se-ia carne. Ele também nasceria. Ele também seria humano. Ele também
teria mãos e pés. Ele também teria lágrimas e provações.
E, o mais
importante. Ele também teria uma escolha. Emanuel postar-se-ia nas
encruzilhadas da vida e da morte, e escolheria.
O Autor
conhece bem o peso dessa decisão. Faz uma pausa ao escrever a página de seu próprio
sofrimento. Podia parar. Mesmo o Autor tem escolha. Mas como não criar, sendo
Criador? Como não escrever, sendo Escritor? Como não amar, sendo Amor? Assim
escolhe a vida, embora signifique morte, na esperança de que seus filhos façam
o mesmo.
E desse
modo o Autor da Vida completa a história. Ele encrava a lança na carne, e rola
a pedra sobre o túmulo. Conhecendo a escolha que fará, conhecendo a escolha
que todos os Adões farão, escreve, “Fim”, então fecha o livro e proclama o
início.
“Haja
luz!”
GÊNESIS 1:1-3
SUA VOZ,
NOSSA ESCOLHA
O bom
piloto faz de tudo para levar os passageiros para casa. Vi um bom exemplo disso quando
voava sobre o Atlântico. A comissária de bordo nos disse para ficarmos sentados
por causa de uma iminente turbulência. Era um voo barulhento e o pessoal não
obedeceu logo, de modo que ela voltou a nos avisar: “O voo vai ficar
turbulento. Para sua própria segurança, tomem seus lugares”.
A maioria
obedeceu. Mas alguns não. Então ela mudou de tom: “Senhoras e senhores/ para
seu próprio bem, tomem seus lugares”.
Pensei
que todos estavam sentados. Mas, ao que parece, eu estava errado, pois a
próxima voz que ouvimos foi a do piloto. “Este é o Capitão Rodrigues”, avisou
ele. “Há pessoas que se machucam indo ao sanitário em vez de ficarem em seus
lugares. Vamos deixar bem claras as nossas responsabilidades. Meu trabalho é
passar pela tempestade. O dos senhores é fazer o que eu mando. Agora sentem-se
e apertem os cintos!”
Naquele
momento abriu-se a porta do banheiro, um sujeito de rosto vermelho e sorriso
amarelo saiu de lá e sentou-se na poltrona.
Será que
o piloto errou? O piloto
foi insensível ou insensato? Não, pelo contrário. Ele preferiu ver o homem
seguro e envergonhado a vê-lo desinformado e ferido.
Bons
pilotos fazem de tudo para levar os passageiros para casa.
É o que
Deus faz. Eis uma
pergunta crucial. Até onde você quer que Deus chegue só para captar sua
atenção? Se Deus precisar escolher entre sua segurança eterna e seu conforto
terreno, o que você espera que ele escolha? Não responda muito depressa. Pense
um pouco.
Se Deus o visse em pé quando devia
estar sentado, se Deus o visse em perigo e não em segurança, até onde você
gostaria que Deus chegasse só para captar sua atenção?
E se Deus
o mudasse para outra terra? (Como fez com Abraão.) E se Ele cancelasse sua aposentadoria?
(Lembra-se de Moisés?) Que tal a voz de um anjo ou o ventre de um peixe? (A Ia
Gideão e Jonas.) Que tal uma promoção (como a de Daniel) ou um rebaixamento
(como o de Sansão)?
Deus faz
de tudo para captar sua atenção. Não é essa a mensagem da Bíblia? A incansável
perseguição de Deus. Deus caçando. Deus buscando. Deus se enfiando embaixo da
cama à cata de crianças escondidas, Deus vasculhando as moitas atrás de ovelhas
perdidas. Buscando, dominando, puxando-nos de volta para Ele, vezes e vezes
sem conta. Fazendo um cone com as mãos em torno da boca para gritar precipício
adentro. Lutando contra nós, Jacós, nos Jaboques lamacentos da vida.
Apesar de
todas as suas peculiaridades e singularidades, a Bíblia possui uma história
simples. Deus fez o homem. O homem rejeitou a Deus. Deus não vai desistir
até reconquistá-lo.
De Moisés
em Moabe a João
em Patmos, ouve-se a voz: “Eu sou o piloto. Vocês são os passageiros. Meu
trabalho é levá-los para casa. O de vocês é fazer o que eu mando”.
Deus é
tão criativo quanto incansável. A mesma mão que enviou o maná para Israel levou
Uzá à morte. A mesma mão que libertou os filhos de Israel levou-os cativos à Babilônia.
Gentil e também firme. Terno e inflexível. Confiantemente firme. Pacientemente
apressado. Ansiosamente tolerante. Gritando mansamente. Trovejando suavemente.
Um suave
trovão.
É assim
que João viu Jesus. O
Evangelho de João possui dois temas: a voz de Deus e a escolha do homem.
Jesus
disse: “Eu sou
o pão da vida. Eu sou a luz do mundo. Eu sou a ressurreição e a vida. Eu sou a
luz do mundo. Eu sou a porta. Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida. Virei
outra vez e vos levarei para mim mesmo”.
Jesus
proclamando – até oferecendo, mas nunca forçando:
Postado
ao lado do paralítico: “Queres ficar são?” (Jo 5.6).
Olho no
olho com o cego, agora curado: “Crês tu no Filho de Deus?” (Jo 9.35).
Junto ao
túmulo de Lázaro, provando o coração de Maria:
“Todo
aquele que vive, e crê em mim, nunca morrerá. Crês tu isto?” (Jo 11.26).
Testando
os motivos de Pilatos: “Tu dizes isso de ti mesmo, ou disseram-to outros de
mim?” (Jo 18.34).
Na
primeira vez que João escuta Jesus falar, ouve uma pergunta: “Que buscais?”
(Jo 1.38). Entre as últimas palavras de Jesus há ainda outra: “Amas-me?” (Jo
21.17).
É desse
Jesus que João se lembra. As perguntas honestas. As exigências trovejantes. O toque suave. Nunca
chega sem ser convidado, mas, uma vez convidado, nunca pára antes de terminar,
antes que se faça uma escolha.
Deus vai
sussurrar. Ele vai gritar. Ele vai tocar e puxar. Ele vai tomar nossas cargas;
vai, até, tomar nossas bênçãos. Se houver mil degraus entre Ele e nós. Ele vai
tirar todos, exceto um. Vai deixar o último para nós. A escolha é nossa.
Por
favor, entenda. O alvo
dEle não é deixar você feliz. O alvo dEle é fazer com que você seja dEle. O
alvo dEle não é fazer você conseguir o que quer; é levá-lo para onde deve ir. E
se isso significa um ou dois trancos para colocá-lo em seu lugar, que venham
os trancos. Os desconfortos terrenos são uma bagatela se o troco é a paz
celestial. Jesus disse: “No mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo, eu
venci o mundo” (Jo 16.33).
Como
Jesus conseguia falar com tanta autoridade? Que lhe dava o direito de assumir o comando?
Simples. Jesus, assim como o piloto, sabe de coisas que não sabemos e consegue
ver o que não conseguimos.
Que sabia
o piloto? Sabia pilotar um avião.
Que via o
piloto? Nuvens tempestuosas à frente.
Que sabe
Deus? Ele sabe pilotar a história. (A sua vida)
Que vê
Deus? Acho que você entendeu a mensagem.
Deus quer
que você volte para casa seguro.
Simplesmente
pense que Ele é o piloto. Pense que você é o passageiro. Veja esta vida como um
plano de viagem – e pense duas vezes antes de se levantar para ir ao banheiro.
Pastor Aragão.